Por Bárbara Gonçalves e Nina Best
O atual cenário mundial está cada vez mais influenciado pelos efeitos das mudanças climáticas sendo que o meio urbano está no cerne da questão, pois é onde hoje já se concentra mais da metade da população mundial com uma crescente tendência de aumento. Além disso, já ultrapassamos o marco de 7 bilhões de pessoas no planeta, e de acordo com alguns estudiosos, e alguns especialistas sugerem que precisaríamos de até 5 planetas se os países menos desenvolvidos resolvessem seguir os mesmos padrões de desenvolvimento, produção e consumo que os países mais desenvolvidos.
O Brasil é cada vez mais um país urbano, onde 85% da população vive em áreas urbanas, e onde a pobreza urbana está mais acentuada que a pobreza rural. O mercado imobiliário, de maneira predatória, força uma expulsão da população mais pobre dos centros urbanos para as periferias, ampliando o perímetro urbano e drasticamente alterando a paisagem, e colocando essa população vulnerável numa situação de ainda mais risco.
Ao longo de sua história, o Vitae Civilis vem trabalhando ações de fortalecimento de iniciativas geradoras de renda associadas à sustentabilidade ambiental, bem como promovendo conhecimento sobre as mudanças climáticas e o seu impacto no meio ambiente e no meio urbano.
Desde sua fundação, na década de 1990, o Vitae Civilis entende o meio urbano como algo sistêmico, buscando trabalhar questões urbanas de forma mais integrada e menos setorializada. Apesar disso, associar o tema de mudanças climáticas à vida urbana ainda é percebido como uma abordagem conceitual inovadora, e é, todavia, pouco discutido no âmbito nacional ou global.
Dessa forma, não há como pensar estratégias de mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas sem trazê-las para o contexto local, ou mesmo sem integrar dimensões típicas do meio urbano às questões socioambientais. É preciso começar a integrar as discussões sobre a matriz energética das cidades, mobilidade urbana, acesso aos serviços públicos básicos, direto à moradia, acesso à água potável e saneamento ambiental, disposição adequada dos resíduos sólidos, geração de renda e preservação do meio ambiente. É preciso implementar de fato o desenvolvimento sustentável. As cidades brasileiras proporcionam, em diversos sentidos, um enorme paradoxo, e cada vez mais são impactacas pelas conseqüências das injustiças socioeconômicas, e também das mudanças climáticas, se tornando cada vez mais vulneráveis e inseguras.
Hoje, um número crescente de redes e coletivos em todo o mundo estão levantando estas discussões, e buscando uma visão cada vez mais integrada dessas questões – que, à primeira vista possam parecer mais desassociadas do que de fato são. No dia 27 de março, o Vitae Civilis teve a oportunidade de participar do Seminário Mudanças Climáticas e Meio Ambiente Urbano, atividade paralela realizada pela Climateworks Foundation (CWF) e a Iniciativa Clima América Latina (ICAL), dentro das atividades da 7ª Edição do Congresso GIFE “Novas Fronteiras do Investimento Social”, realizado nos dias 26 a 30 de março de 2012 em São Paulo.
A ICAL é uma rede formada a partir de um consórcio de fundações internacionais, como ClimateWorks Foundation, OAK Foundation, Children´s Investment Fund Foundation, e a William & Flora Hewlett Foundation, que pretendem desenvolver projetos com ações prioritárias na relação entre meio urbano e mudanças climáticas. Na América Latina, a Iniciativa tem, por meio de projetos pilotos no Brasil e no México, o objetivo de realçar o tema de mudanças climáticas ao meio urbano. Durante o seminário foram levantadas estratégias de ação de pontos específicos da problemática urbana no contexto de mudanças climáticas, considerados os setores prioritários para ação no Brasil: transporte (mobilidade urbana e eficiência veicular), resíduos sólidos, além de um panorama da atual política climática do país.
O evento contou com a participação da Rachel Biderman, representante do World Resource Institute (WRI Brasil), que apresentou um panorama geral da atual política climática do Brasil, sob a luz da efetividade do Plano Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), cuja estratégia está calcada nos planos setoriais que trazem metas de redução dos efeitos das mudanças climáticas. A Rachel apontou que o Brasil é uma liderança nesse processo, embora ainda tenha muito espaço para avançar em termos de ações concretas e implementação do PNMC.
Na área de transportes, Andre Ferreira do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) desconstruiu a percepção de que o Brasil é um país de matriz energética limpa. Ele apresentou dados levantados pelo IEMA e pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) que mostram como nossa matriz de mobilidade é quase exclusivamente dependente de combustíveis fosseis. O consumo de energia no transporte em geral é 82% de origem fóssil, enquanto apenas 18% são de origem renovável. O transporte rodoviário é predominante no país, e corresponde a 92% do total de deslocamentos, incluindo automóveis, transportes coletivos e de carga. A distribuição do consumo de energia combustível no transporte rodoviário se distribui da seguinte forma: 48% diesel, 27% gasolina, 19% etanol, 3% GNV e 3% biodiesel. Apesar de o diesel ser predominantemente usado em veículos de transporte de cargas e de passageiros, o IEMA apontou que 32% das emissões de CO2 são provenientes do transporte coletivo de passageiros, e que os restantes 68% são oriundos do uso veículos motorizados individuais (automóveis, motocicletas).
Esses dados, além de ilustrarem a priorização do automóvel pela sociedade brasileira, também são indicadores relevantes para reorientar o sistema de transportes das cidades de maneira a favorecer tanto os seus habitantes quanto o clima do planeta, uma vez que a emissão de CO2 está intrinsecamente ligada ao aumento do efeito estufa e das mudanças climáticas. Em outras palavras, o uso do automóvel está intrinsecamente ligado às mudanças climáticas globais, e é urgente a necessidade de repensarmos a mudança de padrão, priorizando cada vez mais os meios de transporte coletivos e não-motorizados, criando desincentivos reais para o uso do transporte individual motorizado. Para o André, mais do que pensar em inovações tecnológicas que melhorem a eficiência dos automóveis, há que se debruçar em ações políticas de integração do sistema de transporte que possam reduzir o uso dos automóveis, com mecanismos de restrição ao uso e em políticas de aprimoramento tanto do serviço de transporte coletivo motorizado (ônibus, metrô, trem urbano) quanto das estruturas de acesso possa permitir um aumento do uso dos transportes não motorizado, como a bicicleta.
Cristina Baldini, integrante do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte (MDT) e representante da Secretaria de Mobilidade do município de São Caetano do Sul, no ABC Paulista, apresentou a experiência ousada, mas viável de mobilidade urbana que está sendo estruturada no município. A estruturação do sistema de mobilidade urbana do município passa por uma mudança de paradigma, onde a cidade volta a ser das pessoas e não dos automóveis, e onde há uma maior integração regional através dos transportes coletivos (trem e metrô), e melhoras nas estruturas que permitam outras formas de transporte não-motorizado, como a bicicleta.
Na questão dos Resíduos Sólidos, Roberto Kishinami, consultor, apresentou um panorama do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que tramitou no Congresso durante vinte anos antes de ser aprovado. Ele trouxe a importância de se pensar na integração da gestão dos resíduos sólidos nos municípios e também das responsabilidades das empresas sobre a chamada logística reversa, ou seja, o descarte adequado final de embalagens e produtos. No atual contexto em que vivemos numa sociedade do hiper consumo, deve-se considerar como integrar os Planos Nacionais de Resíduo Sólido e de Mudanças Climáticas, bem como explicitar e pensar a inter-relação das estratégias existentes nestes dois planos que precisam se conversam e que, integrados, poderiam potencializar as ações de mitigação e principalmente adaptação dos efeitos das mudanças climáticas no meio urbano.


