Os pedestres vão recuperar sua cidadania?
Projeto encontrará grande resistência por parte dos que se acostumaram a uma liberdade injusta e opressiva
A IDEOLOGIA DO CRESCIMENTO BASEADO NO AUTOMÓVEL ESTÁ VIVA, COMPROVADA PELA DECISÃO DE SE FAZER UM TÚNEL PARA VEÍCULOS PARTICULARES NA ZONA SUL
EDUARDO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O programa de melhoria das condições de segurança dos pedestres da Prefeitura de São Paulo é a melhor notícia relativa ao trânsito da cidade nos últimos dez anos. O respeito aos pedestres é essencial em um ambiente de trânsito marcado pela violência e pela incivilidade.
Em uma cidade que foi construindo a insustentabilidade nas últimas cinco décadas por meio de projetos absurdos de incentivo generalizado ao uso do automóvel, em um ambiente de desigualdade social e econômica e com baixo nível de cidadania, as pessoas com acesso ao automóvel se acostumaram a usar as vias como propriedade particular, sem respeitar os usuários mais numerosos e mais frágeis, como os pedestres e os ciclistas.
Motoristas e motociclistas ignoram esses usuários e dirigem em velocidades que podem matar um pedestre ou um ciclista em segundos.
A falta de fiscalização agravou o problema, permitindo que a ocupação das vias continuasse sendo feita na base da força e do uso violento de um veículo individual. O projeto em curso, portanto, é muito relevante. Ele tem de ser expandido para outras áreas da cidade.
Também é preciso uma redução generalizada da velocidade máxima nas ruas. O projeto encontrará grande resistência por parte dos que se acostumaram a esta liberdade injusta e opressiva. Sua superação exigirá não só recursos humanos e materiais mas também um processo amplo de discussão da cidadania a fim de que a civilidade substitua a força na utilização do espaço viário.
Persiste, porém, um sério problema estrutural. A ideologia do crescimento baseado no automóvel e na expansão indiscriminada do sistema viário ainda está viva, comprovada pela decisão da prefeitura de construir um túnel para veículos particulares na parte sul da cidade, de quase R$ 4 bilhões, o que é um acinte quando consideramos, por exemplo, a necessidade de melhorar o nosso sistema de transporte público.
Além disto, a proposta nega o movimento crescente no mundo e no Brasil para alterar esse sistema iníquo e falido de apoio ao transporte individual. Enquanto esta mentalidade persistir, o projeto de resgate dos direitos dos pedestres e da reconstrução de um ambiente de trânsito civilizado terá enormes dificuldades de obter sucesso. O governo municipal, portanto, precisará mostrar de que lado finalmente está.
EDUARDO VASCONCELLOS é engenheiro, sociólogo, diretor do Instituto Movimento de SP e assessor da ANTP


